Morte de Dolly reabre polêmica sobre clonagem

A vida breve da ovelha Dolly prova que a ciência ainda tem muito caminho pela frente para aperfeiçoar a técnica da clonagem. A ovelha, que foi o primeiro mamífero clonado da história, tinha apenas 6 anos quando foi sacrificada, em fevereiro último, por apresentar doenças características da velhice.

A ovelha Dolly (no alto) tinha apenas 6 anos quando foi sacrificada, em fevereiro último, por apresentar doenças características da velhice.


Dolly nasceu em 1996 e entrou para a história da ciência porque foi o primeiro mamífero clonado a partir de uma célula adulta que conseguiu sobreviver, depois de 276 tentativas infrutíferas. Seu nascimento só foi anunciado em 1997, pelo Instituto Roslin de Edimburgo, da Escócia. Mas ela nasceu com anomalias cromossômicas e, em janeiro passado, foi diagnosticada uma artrite, algo muito raro para a idade dela, o que era um sinal de envelhecimento prematuro, ocasionado provavelmente pela clonagem.
A notícia foi interpretada como uma derrota pelos especialistas que acreditam que a clonagem pode se tornar uma tecnologia médica eficaz e lucrativa. Para os que questionam a ética desse procedimento e os defensores dos direitos dos animais, foi uma confirmação de que a clonagem é perigosa se feita de maneira irresponsável.
A ovelha acabou sendo sacrificada no dia 14 de fevereiro, quando os veterinários deram a ela uma injeção letal depois de descobrirem sinais de doença pulmonar progressiva. O pesquisador Harry Griffin, chefe do instituto, disse que infecções pulmonares são comuns em ovelhas mais velhas. Uma ovelha pode viver até 12 anos, embora a maioria delas não ultrapasse os 6 anos, pois é abatida para a alimentação humana.
Descobriu-se que os cromossomos de Dolly tinham telômeros menores que os de animais concebidos de forma natural. Telômeros são pedaços de DNA que protegem as extremidades dos cromossomos. Acredita-se que eles estejam associados ao envelhecimento celular, atuando como “cronômetros” bioquímicos. As pesquisas de Ian Wilmut, o “pai” de Dolly, demonstraram que todos os clones de animais produzidos, que já são centenas, apresentaram má-formação genética e física.
O nascimento de Dolly teve repercussão em jornais do mundo todo e gerou críticas e temores de que a clonagem de seres humanos não esteja muito longe. A ovelha foi batizada em homenagem à cantora de música country norte-americana Dolly Parton, pois Wilmut utilizou células de glândulas mamárias para criar a ovelha.

Contexto:
 
  A técnica de clonagem que produziu Dolly foi pioneira, pois foi a primeira a utilizar células não embrionárias para produzir um clone. Ela consistiu na retirada de uma célula da glândula mamária de uma ovelha doadora, que foi chamada de “célula-mãe”, a qual foi mantida viva em meio de cultura em laboratório. Em seguida, foi retirado o óvulo de uma outra ovelha, desprezando-se seu núcleo. O óvulo vazio e a célula cultivada foram fundidos por meio de estimulação elétrica, formando um zigoto ou ovo fecundado, que se transformou num embrião e, ao atingir a fase de blástula (ou seja, apresentar mais de cem células), foi implantado no útero de uma ovelha “mãe de aluguel”. O ser gerado com essa técnica é geneticamente idêntico ao doador da “célula-mãe”, possuindo as mesmas características físicas e biológicas que este.
Mas por que Dolly envelheceu tão rápido e morreu com apenas 6 anos de idade? Na verdade, ela atingiu o tempo médio de vida de uma ovelha, que é de 12 anos, pois a doadora da célula que a originou já tinha 6 anos, os quais devem ser somados aos 6 que ela viveu. Segundo os cientistas que a criaram, as doenças que ela apresentava, como artrite e problemas pulmonares, eram perfeitamente comuns em ovelhas de 12 anos e não tinham qualquer relação com a técnica de clonagem que foi utilizada.
Já o fato de os telômeros dos cromossomos de Dolly serem menores pode ser explicado também com base na idade real da ovelha. Telômeros são pequenos trechos de DNA que ficam nas extremidades dos cromossomos. Acredita-se que eles são importantes para a estabilidade da célula e que, a cada divisão celular, perdem alguns trechos de DNA, o que vai fazendo com que fiquem desprotegidos, causando o envelhecimento celular. Como Dolly geneticamente nasceu com 6 anos, é natural que seus cromossomos também apresentassem sinais de envelhecimento, o que foi evidenciado pela diminuição do tamanho dos telômeros.
Apesar de todos os problemas apresentados até então pela ovelha e outros clones de animais, é necessário avaliar o que se aprendeu com essas experiências. Sem dúvida, a clonagem de Dolly foi um marco na história da biotecnologia. Mas, como a técnica ainda não está totalmente desenvolvida, devemos aguardar os resultados das pesquisas futuras para sabermos que transformações ela desencadeou.
A clonagem pode nos trazer grandes benefícios, como a possibilidade de se clonarem animais geneticamente modificados, como porcos, por exemplo, para serem produtores de órgãos como corações, rins e fígados destinados a pessoas que necessitam de transplantes. No campo da clonagem terapêutica, uma técnica que está sendo aperfeiçoada e que em muitos países ainda não é autorizada é a criação de embriões humanos para serem utilizados na cura de doenças. Os embriões possuem células não diferenciadas chamadas de células-tronco, que podem se transformar em qualquer tipo de célula do organismo. Essas células poderiam ser usadas para tratar, e talvez curar, doenças como esclerose múltipla, mal de Parkinson, mal de Alzheimer, leucemia, diabetes, problemas cardíacos, derrames, lesões na coluna cervical e doenças sangüíneas. Seriam gerados clones de embriões com células retiradas do próprio doente, o que praticamente anularia os riscos de rejeição, já que elas carregam a mesma informação genética que o paciente.
Muitas vidas poderiam ser salvas e muitas doenças, evitadas com a clonagem terapêutica. Mas sabemos que ainda ocorrem inúmeros problemas na clonagem de mamíferos, sendo alto o índice de clones gerados com anomalias. Além disso, o rendimento dessa técnica é muito baixo, pois são necessárias diversas tentativas e muitos embriões para se alcançar êxito. E o que fazer com os milhares de embriões descartados devido a experiências mal-sucedidas? Para a criação de Dolly, foram feitas 276 tentativas. E se os embriões descartados fossem humanos? Em que fase estaria o início da vida? A partir do embrião ou somente quando ele já é feto? Difícil saber.
A clonagem para fins reprodutivos, que copia pessoas integralmente, é válida? Alguns cientistas defendem a clonagem humana como apenas mais uma técnica de fertilização assistida, que une um óvulo sem núcleo a uma célula somática com o objetivo de auxiliar milhares de mulheres com problemas de fertilidade. Entretanto, existem fanáticos religiosos que defendem a clonagem humana prometendo a “imortalidade” a seus seguidores, oferecendo-lhes a possibilidade de serem clonados em troca de verdadeiras fortunas. O homem pode continuar manipulando criaturas, até mesmo de sua espécie, na ânsia de ser criador?
Sendo contra ou a favor, todos temos de pensar nessas questões, pois somente discutindo e conhecendo vamos ter uma visão crítica e ética sobre um assunto tão sério e relevante.  

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